31 de outubro de 2008

A garota do olhar enigmático ou O que de fato aconteceu naquela noite

Repartimos entre nós as balas disponíveis e partimos em busca de aventura. Entre as garotas havia uma que nenhum de nós conhecia, mas era tão bonita a garota que ninguém se atreveu a perguntar quem era. Sentou-se ao meu lado no banco do carona. Notei que seus olhos diziam algo que na hora não pude entender. Era na verdade um olhar bastante enigmático. As luzes da estrada passavam por nós como cometas desgovernados. Tudo aquilo não fazia qualquer sentido e estávamos muito satisfeitos. Depois de aproximadamente vinte quilômetros a garota do olhar enigmático sugeriu que parássemos para comprar água. Fazia muito frio em São Paulo naquela noite mas ainda assim tínhamos muita sede. No posto notamos um movimento incomum. Quando entramos na loja um homem de sobretudo preto olhou para ela. Olhei para o meu camarada e ele entendeu que meu olhar dizia para ele ficar esperto. Ao mesmo tempo o homem sacou de sob o sobretudo uma 12 milímetros e anunciou o assalto. Pensei imediatamente que tipo de sujeito usaria uma arma daquele calibre para assaltar um Posto 24 horas. O carinha do balcão abriu o Caixa e o homem do sobretudo preto sorriu para a garota do olhar enigmático. Ela então abriu a bolsa, colocou ali todo o dinheiro, dois pacotes de Luck Strike, duas garrafas de Jack Daniel´s e quatro latinhas de Red Bull. Descobri finalmente naquele momento porque algumas garotas usam bolsas tão grandes ¬¬. O homem do sobretudo preto então beijou a garota na boca e os dois saíram em direção a um Omega preto e detonado estacionado estrategicamente na porta. A garota do olhar enigmático ao passar por mim agradeceu pela carona. Os dois embarcaram no Omega e partiram calmamente noite adentro. Foi isso o que de fato aconteceu naquela noite. Quero que um raio me parta ao meio se eu estiver mentindo.

30 de outubro de 2008

O colecionador de colecionadores


Há muito tempo viveu um homem muito, muito rico, que colecionava selos. E o grande prazer daquele homem era saber que possuía a maior e mais valiosa coleção de selos que jamais existira. Passava horas em sua mansão manuseando espécimes raros e alegrando-se com isso. Porém, com o tempo, o colecionador de selos passou a sentir-se angustiado. Sendo ele um liberal, sentia falta de um colecionador que com ele competisse. Na ausência de um concorrente, decidiu exercer aquilo que acreditava ser seu direito natural. Mandou então chamar sua equipe de advogados e pediu que fosse feita uma proposta ao maior número possível de colecionadores. Qual não foi a surpresa dos advogados ao descobrir que o colecionador não desejava comprar selos, mas outros colecionadores de selos. Em seguida mandou chamar sua equipe de engenheiros e arquitetos e ordenou que se iniciasse a construção de uma grande torre, em estilo gótico, capaz de abrigar um grande número de colecionadores e suas coleções. E assim foi feito. No último andar da torre, onde o colecionador de colecionadores de selos passou a morar, recebia periodicamente os colecionadores de sua coleção, para que prestassem contas a ele. Com o tempo, novos colecionadores de colecionadores de selos surgiram, e teve início a concorrência. Mas o colecionador de colecionadores, como perspicaz homem de negócios que era, conseguiu manter a liderança, firmando-se como proprietário da maior e mais valiosa coleção de colecionadores de selos. E assim voltou a sentir-se feliz e realizado. Porém, com o passar do tempo, o colecionador de colecionadores de selos afastou-se espantosamente da concorrência, sua liderança tornou-se inquestionável, e ele voltou a se sentir angustiado. Sem competidores à altura a disputa se tornava novamente desigual, e ele, sempre de acordo com a lógica do livre-mercado, resolveu oferecer uma proposta de compra aos concorrentes. Mais uma vez mandou chamar sua equipe de advogados e pediu a ela que fizesse uma oferta a todos os demais colecionadores de colecionadores de selos. Dessa vez, no entanto, foi informado que a oferta não seria possível, uma vez que, com exceção dele mesmo, todos os colecionadores de colecionadores de selos pertenciam a um único dono, que a ele se adiantara, tornando-se o primeiro colecionador de colecionadores de colecionadores de selos. Ele então argumentou que nada os impedia de fazer uma oferta ao concorrente, adquirindo toda a coleção com um único lance, mas seus advogados contra-argumentaram que tal oferta seria inútil, uma vez que o próprio concorrente se adiantara mais uma vez, e fizera a ele uma proposta. Ao abrir o envelope com a oferta, o colecionador de colecionadores de selos entendeu que sua carreira chegara ao fim, pois o valor oferecido era maior que toda sua fortuna. Sempre fiel à lógica das leis que regulam o mercado, da maneira como ele a entendia, dirigiu-se até o ponto mais alto da torre, com o propósito de dali se atirar, dando fim à própria vida. No último instante, no entanto, imaginou que se morresse deixando intacta sua coleção ela certamente acabaria nas mãos da concorrência. Aterrorizado com a idéia, ordenou que trancassem todas as portas e janelas, e ateou fogo à torre.

Baseado na HQ "O colecionador de selos", de Joe Sacco.

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