20 de novembro de 2008

A hora do lobo

Eram talvez cinco ou seis homens, armados e determinados a acabar com ele. Havia dois dias não saía da toca. Mais uma vez foi silenciosamente até a entrada do abrigo para constatar que seus perseguidores continuavam à espreita. Voltou ao fundo do covil e deitou-se, como fazem os lobos, atento a qualquer tentativa de aproximação. Seus caçadores por certo não conheciam seu esconderijo, caso contrário já o teriam atacado. Suas chances nesse caso seriam nulas. Triste, permaneceu em absoluto silêncio.Lá fora os homens se reuniam para dividir um trago. Era preciso que permanecessem unidos. Era preciso acabar com os lobos. Com a chegada da noite a temperatura caiu espantosamente, e os homens, aquecidos pela bebida, entoaram uma canção que falava de seus amores, e de suas guerras.Quando mais tarde os caçadores silenciaram, imaginou que aquela seria sua chance. Um instante antes que se arriscasse fora da proteção do abrigo, com seus sentidos aguçados pelo medo percebeu um movimento e parou, para sentir o sopro da morte. Era um dos homens que em seu turno de vigília se arriscara um pouco mais, e sem saber se aproximara da gruta. Permaneceu parado, esperando que o caçador não tivesse percebido sua presença, embora seu desejo fosse sair em disparada, em direção ao bosque. Mas aquela ainda não seria sua hora. O caçador apenas passou por ele, em seu caminho de volta ao acampamento. Voltou ao fundo do abrigo e embora faminto adormeceu.Sobre a relva fresca, aquecida pelo sol do verão, corria como só os lobos correm. Parou e voltou-se para trás, para observar o motivo de sua alegria. Sua companheira brincava, mordiscando, cheirando e eventualmente deitando com as patinhas para o alto, da maneira como fazem os lobos. Aproximou-se dela para festejar a liberdade em que viviam naqueles vales eternos, aonde crescera e aprendera a liderar a matilha. De repente ouviu um forte estrondo, como se um raio tivesse atingido uma árvore, vindo da direção para a qual soprava o vento. Sua companheira jazia morta ao seu lado, e do local de onde viera o ruído, homens corriam em sua direção.Quando acordou percebeu que o inverno havia chegado, cobrindo o vale com seu manto branco. E com a chegada do inverno os homens haviam partido. Não havia em qualquer lugar, até onde sua visão podia alcançar, qualquer sinal dos caçadores. Finalmente pôde deixar a toca, para se arriscar pelo bosque e se reunir à matilha. E novamente ouviu aquele forte estrondo, como se um raio tivesse atingido uma árvore. E o vale diante dele escureceu, como se o sol o tivesse abandonado. Com o gosto do sangue na boca, sonhou que corria ao lado de sua companheira, sobre a relva fresca e aquecida pelo sol de verão, pelos vales eternos. Não aqueles em que se criara, mas outros, muito distantes, onde não há homens entoando canções que falam de seus amores, e de suas guerras.

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